08 novembro, 2016

não sou cego mas vivo com a minha própria cegueira/
de costas voltadas para o espelho/
choro gostos e desgostos e/
coisas que nunca tive/
não me vejo a mim/
o meu reflexo foi-se/
deixou marcas no meu corpo/
invisíveis aquando expostas aos outros/
visíveis sob a escuridão da noite no meu quarto/
sozinha/
ouço gritos e suspiro/
porque nem forças tenho para gritar/
de tanto chorar/
de tanto evitar olhar/
evitar ser o que outrora era/
ou o que nunca fui/
o que poderia ser sem esta cegueira/
maluca/
estou doente/
os meus olhos vêem turvo/
e a água do banho corre/
corre e não pára/
transborda/
enchi demais a banheira/
sento-me no chão molhado/
não me incomoda/
o que me incomoda são as vozes/
não se calam/
não vão embora/
eu sou boa a fugir mas nunca delas/
gostava de me encontrar como elas me encontram/
gostava de não ser cega/
(pausa)
continuo parada no tempo/
mas o tempo não pára/
e eu/
torno a cabeça para o espelho e não vejo nada/
o meu reflexo desapareceu/

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