07 maio, 2017

metaforicamente falando

desde pequena, eu usava o meu cabelo curto, não por opção minha, mas por opção da minha mãe. eu sempre o detestei assim, curto, não gostava. a minha mãe, pelo contrário, abraçava-o com simpatia. eu nunca tive voto na matéria; quero dizer que, não me cabia a mim escolher, apenas viver com as escolhas feitas por mim, que, de certo modo, nem sempre me assentavam como uma luva; não que isso tivesse qualquer importância porque eu era só uma miúda e isto era só um corte de cabelo. o que antes era novidade, tornou-se um hábito; no entanto, eu nunca me habituei. tinha a mania de olhar para as outras miudinhas; todas elas de cabelos longos e compridos, e, desejava o mesmo para mim. não percebia a diferença, nem o porquê de ela existir. naquela altura, gostava que fossemos todas iguais. o ser humano tem a necessidade de se sentir integrado num grupo e a exclusão e indiferença incomodam demasiado. naquela altura, eu pensava assim. a altura passou e eu cresci, fiquei mais alta (não muito) e a ideia de deixar o meu cabelo curto crescer permanecera. já podia escolher; a minha mãe só podia opinar e mesmo que não concordasse, bastava eu concordar. o meu cabelo cresceu, e com ele, eu. estava bonito e fazia-me sentir bonita. não me sentia fora do sítio, mas sim que, finalmente, assentara num sítio. não estava mais nem menos. pensava eu. agora apercebo-me de como as coisas mudam, calmamente, e eu, calma, vou assistindo. o que eu queria, já não quero. os cabelos longos e compridos já não importam tanto. tenho saudades do cabelo curto. percebi que a lua tem duas faces e que nenhuma delas se sobrepõe à outra. o mundo roda em volta do sol e a lua em volta da Terra e eu em volta de mim própria e de tudo. um dia parámos, mas não é já. ainda temos tempo, para mais um corte de cabelo ou o que virá. metaforicamente falando, o meu cabelo cresceu e isso significa que eu cresci, assim como as minhas ideias e objetivos. o que antes era curto passou a comprido, mas voltará a ser curto e assim sucessivamente. a metáfora está na mudança. nós temos medo: de ser diferentes, de querer ser e de fazer para ser e de o ser, essencialmente. a nossa essência encontra-se na distinção que nos separa e nos caracteriza, melhor ou pior (eu diria que nunca pior). sentir-se que ao sentir a gente sente que pertence e pertencer ao ser que somos e que queremos ser. sentir ao ser e ser o que somos. é por aí ou por onde quiseres.

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